terça-feira, 16 de março de 2010

Perfume...

" Na altura em que a casa de Giuseppe Baldini se afundou, Grenouille ia a caminho de Orleães. Deixara para trás a atmosfera de vapores que pairava sobre a grande cidade e, a cada passo que mais o afastava dela, o ar que o rodeava tornava-se mais claro, mais puro e mais lavado. Como que se diluía. A cada metro percorrido, deixara de existir aquela perseguição de centenas, de milhares de odores diferentes, que mudavam a uma velocidade louca; os poucos odores existentes - o odor da estrada arenosa, dos prados, da terra, das plantas, da água - pairavam, contrariamente, em longas fitas sobre a paisagem, aumentando devagar e diminuindo ao mesmo ritmo, praticamente sem uma interrupção brusca.Para Grenouille essa simplicidade assumia foros de libertação. Aqueles odores calmos provocavam-lhe uma sensação agradável nas narinas. Pela primeira ve na sua vida, não se via obrigado a cheirar, a cada fôlego, algo de novo, de inesperado de hostil, ou de perder qualquer coisa agradável. Pela primeira ve era-lhe dada a oportunidade de respirar quase à vontade sem ter, incessantemente e ao mesmo tempo, o olfacto atento. Dizemos «quase» porque, como é óbvio, nada passava pelo nariz de Grenouille de uma forma verdadeiramente livre. Mesmo quando não existia o mínimo motivo para tal, havia sempre nele uma certa reserva instintiva ligada a tudo o que lhe chegava do exterior e pretendia entrar no seu íntimo. Ao longo da sua vida, mesmos nos raros momentos em que conhecera reminiscências de satisfação, de contentamento..."

Fragmento de Perfume, do autor alemão : PATRICK SÜSKIND, livro publicado em 1985, o qual deu origem ao filme.

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